quarta-feira, 25 de maio de 2011

Cadeirante denuncia dificuldade de conviver com a estrutura da cidade


José Luis da Silva Costa é brasileiro de Barra do Corda – MA, mora no assentamento Califórnia no município de Açailândia. Conhecido como Zé Luis, construiu uma carreira de liderança no Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do qual é um dos principais articuladores. Na Califórnia, a luta de Zé Luís se junta às ações da campanha Justiça nos Trilhos, ONG internacional que mescla Igreja, Movimento estudantil, partido político e movimento social e denuncia abusos cometidos pela segunda maior mineradora do mundo: a Vale (antiga Companhia Vale do Rio Doce).

Estudante de Comunicação Social – habilitação Jornalismo, Zé Luís deixa o assentamento Califórnia todas as manhãs com destino ao campus da UFMA de Imperatriz e apesar da condição de cadeirante, não se deixa abater pelas dificuldades. Em sua luta social, José Luis da Silva Costa denuncia o descaso com os cadeirantes e reforça o coro da campanha Justiça nos Trilhos, como mostra essa entrevista.

1) Na condição de cadeirante você enfrenta problemas que vão desde a falta de estrutura urbana adequada até o abuso de certas instituições e pessoas por causa da sua condição. O que é mais difícil?

Rapaz, o que é mais difícil de enfrentar é o fato da gente não ter uma cidade preparada para um cadeirante. De uma forma geral, se você vai numa loja tem calçada, se você for almoçar num restaurante popular, você tem que ir necessariamente pelo meio da rua, porque as calçadas não te dão condições de tráfego, se for atravessar uma faixa de pedestres você tem que ir pelo meio da rua porque a faixa não vai de encontro a uma rampa que deveria ter, tu vais numa lanchonete/bar se precisar utilizar o banheiro este não vai ser adaptado para um cadeirante. O fato de eu estudar e ter que pegar duas conduções todos os dias pra vir à Imperatriz serve como denuncia dessa situação, espero que as empresas de ônibus criem condições de acessibilidade para as pessoas que usam cadeiras de rodas porque na verdade é um direito nosso e dever deles.

2) Algumas empresas de ônibus em Imperatriz já fixaram em suas conduções o símbolo de acessibilidade e afirmam que prestam esse serviço. Cerca de 17 ônibus são adaptados e sua queixa não confere segundo essa perspectiva. Afinal, os ônibus de Imperatriz estão adaptados?

Rapaz, eles não estão adaptados eu acho que mesmo adaptados precisa – se também adaptar a cabeça dos donos dessas empresas, dos patrões. Tem uma empresa que tem 15 ônibus adaptados pra cadeirante, mas nenhum funciona pelo menos os que passam na minha rota. Ou acontecem que os ônibus não têm manutenção daquele equipamento, ou acontece que o motorista está com preguiça de levantar de lá e vir mexer no equipamento, pois quando colocaram esses ônibus, os cobradores foram demitidos, então só tem um motorista como funcionário daquele ônibus o que torna a situação complicada. A outra empresa tem dois ônibus adaptados, essa me surpreendeu um dia desses:; eu peguei um ônibus que há tempos eu não pegava, o 2040, que não funcionava, tava quebrado. Um dia desse ele parou e me trouxe até a UFMA, e eu fiquei surpreso. Eu até falei com o motorista: “olha, bota esse ônibus nessa linha porque o cadeirante que usa sempre essa linha sou eu”. No outro dia os donos dessa empresa tiraram o ônibus da linha, ou seja, a cabeça dos donos dessas empresas precisam também se adaptar a essa condição.

4) O seu discurso no movimento estudantil se equipara aos seus discursos partidário, de movimento social e religioso. Essa interconexão foi o que te permitiu optar pelo PSOL, MST e Teologia da Libertação?

Eu só estou no PSOL e no MST por causa da Teologia da Libertação e só fui da Teologia da Libertação porque eu me formei cristão dentro de uma comunidade católica que seguia essa linha da Igreja Católica, apesar de hoje eu estar sem religião nenhuma por causa de outras decepções com a própria Igreja. Ma, mas, o meu posicionamento político veio a partir da Teologia da Libertação, então, minha consciência política, de movimento estudantil e de Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra veio a partir da Teologia da Libertação.

5) Vocês têm tecido duras críticas à Igreja Católica, principalmente aos segmentos opostos a Teologia da Libertação, As críticas vão desde o comportamento conservador do clero à “acomodação” da Renovação Carismática em relação aos problemas sociais. Isso possui alguma relação com o fato de você não ter não ter concluído suas atividades no seminário e por conseqüência não ter alcançado o grau de sacerdote?

Não, porque, quando eu entrei no seminário eu já tinha essas críticas. Eu acho que (podem concordar ou não comigo, mas esse é meu ponto de visa e o ponto de vista da parte da igreja que eu seguia) a Igreja tem que ter um olhar diferente para as pessoas e para o mundo. São questões que estão muito na tradição e no passado. Ela tem um comportamento do século XVIII que eu acho que deveria ser mexido nesse momento que vivemos. A Teologia da Libertação traz essa ponta de esperança onde a Igreja assume uma opção preferencial pelos pobres, onde o pobre não é pobre porque Deus quis, mas porque existe alguém que surrupiou todos os bens que ele poderia ter para ter uma vida digna. A minha crítica vinha antes de entrar na Igreja, inclusive no seminário tivemos várias discussões por conta disso.

6) O vídeo “Não Vale” produzido pela ONG Justiça nos Trilhos mostra uma série de denúncias contra a mineradora Vale, principalmente da falta de sinalização adequada na via férrea ao longo do corredor da Estrada de Ferro Carajás (Parauapebas / PA – São Luís / MA). Você é uma das lideranças que tece duras críticas a mineradora, quando denuncia a poluição causada pelas carvoarias da Vale no assentamento Califórnia e no distrito Pequiá de Baixo, Município de Açailândia - MA. Você não tem medo de represálias ou de atentados contra a sua vida?

Rapaz. Olha, medo eu acho que posso dizer que não tenho, mas o medo faz parte da segurança da gente, se eu tenho medo de ir por aquela rua e eu preciso ir por aquela rua eu já vou mais precavido de alguma coisa, porém, eu acho que a Vale por ser uma mineradora mundialmente conhecida, ela não se importaria de (sei lá) eu acho que um “caiderantesinho velho qualquer desse que mora em Açailândia não faz nenhum medo pra ela não”. Em relação a Vale não, se fosse em outros tempos eu teria medo, mas em relação a Vale eu não tenho medo. Posso até me decepcionar em relação a isso, mas acho que ela não teria coragem de fazer nada contra a vida de ninguém, nem a minha, nem a do padre que ajuda a gente, nem dos colegas que fazem parte lá da luta com a gente na ONG Justiça nos Trilhos.

7) O MST e a ONG Justiça nos Trilhos acusam o poder público de omissão aos abusos e submissão à Vale. Essa denúncia é grave, assim como as outras, mas nada de concreto foi definido sobre essas questões. As denúncias foram feitas no vídeo “Não Vale” produzido pela ONG.  O que te leva a crer que o poder público é omisso e submisso à Vale?

Rapaz o que demonstra claramente ali, é que a Vele consegue ter o controle político da região, das Prefeituras, do governo estadual. A Vale só conseguiu instalar uma carvoaria do lado do assentamento porque na época era a governadora Roseana Sarney que concedeu a autorização. Então agente sabe dessas “maracutaias” que existem, apesar de hoje parecer existir um pequeno conflito entre a Vale e o Edson Lobão, não sei até que ponto isso é verdadeiro ou falso, o que eu sei é que a Vale tem esse controle político (econômico) dessas instituições, tanto municipais como estaduais e principalmente federais.

8) Depois da apresentação da Peça “Que trem é esse?”, promovida pela ONG na Semana H de história realizada ano passado na UEMA, ficou nítido o interesse de setores ligados ao movimento estudantil em relação à proposta da implantação do comitê da ONG Justiça nos trilhos em Imperatriz – MA. De que os estudantes podem contribuir nas atividades da ONG aqui em Imperatriz?

A ONG precisa desse reforço, talvez esteja aí um bom momento e uma oportunidade de trazer as atividades dessa campanha para Imperatriz. Por exemplo, teve algumas atividades lá em Açailândia em que estudantes de Jornalismo foram participar. A professora Msc. Emilene participou de algumas reuniões, tem contato com os padres combonianos, desenvolveram alguns trabalhos, só que houve um distanciamento depois. Os estudantes da UEMA de história, letras, pedagogia podem contribuir e os estudantes de Jornalismo da UFMA também, cada um na sua área de formação. Isso talvez seria o pontapé inicial para trazer a ONG pra cá (Imperatriz).

9) Imperatriz não está inserida nesse eixo do corredor da Estrada de Ferro Carajás, onde acontece a maior parte dos abusos denunciados pela ONG. Qual seria a linha de ação da ONG Justiça nos Trilhos em Imperatriz caso esse comitê seja criado?

Olha, na verdade, essa pergunta eu acho que o Padre Dário poderia ter mais facilidade para responder ou então o nosso advogado que é o Danilo (não sei o sobrenome dele, é um sobrenome enrolado), mas eu posso dizer o seguinte: Justiça nos Trilhos, a ONG, a campanha faz um levantamento dos crimes causados por onde passa os trilhos da Vale. Eu não sei até que ponto poderia se estender isso a Imperatriz mas é por aí”. Se os trilhos da Vale passam por aqui então tem que ser dito. No entanto, nossa maior briga agora (mesmo que a gente não impeça) é contra a duplicação da ferrovia (Estrada de Ferro Carajás) que já começou.

* Entrevista produzida para a disciplina de Gêneros Jornalísticos

Hilton Marcos Ferreira | Qua, 25 de Maio de 2011 12:47 | atualização 20:24

http://www.imperatriznoticias.com.br/noticias/geral/3469-cadeirante-denuncia-dificuldades-de-conviver-com-a-estrutura-urbana-da-cidade

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