Se você ouve "oinc oinc a Ferrovia Transnordestina vai investir X trilhões e ficará pronta para ontem", siga o fio de algodão. Na época dos bacuris magrinhos, qualquer espaço servia, inclusive jornais do interior do estado do Rio. Hoje goza dos melhores espaços editoriais de alcance nacional, sem perder de vista jornais do Nordeste.
Se você escuta "oinc oinc é uma vergonha os trilhos da Ferrovia Vicente Vuolo ainda não terem chegado a Cuiabá", siga a fileira de chavões surrados que fizeram a glória do porto de Santos e da cidade de São Paulo, finalistas do Gran Prix Maior Engarrafamento da América do Sul -- um na categoria profissional "A maior fila de caminhões de soja da América do Sul"; a outra, na categoria paratodos "Venha para o engarrafamento mais eficiente da América do Sul você também" (com chamadas diárias pela manhã, à tarde e à noite nas redes nacionais de TV). Leve sunga e pé de pato.
Nesta matéria, por exemplo -- ou seria um Jogo dos 7 Erros? --, aparentemente o interesse seria da "lavoura": aquele pessoal que labuta horas a fio em aviões particulares, para sobrevoar suas plantações de soja no Mato Grosso, e voltar a tempo de evitar o engarrafamento dos heliportos no final da tarde:
«Frete ferroviárioLogo nas primeiras palavras entrega o ouro: -- O interesse da matéria não está no agrobiz, mas na "principal porta de saída". O porto de Santos, claro.
«Principal porta de saída de commodities mato-grossenses para o mercado internacional, o Porto de Santos embarcou no ano passado, 5,1 milhões de toneladas de soja produzida nas lavouras que se espalham por praticamente todos os municípios de Mato Grosso.
Evitemos nos enredar na espinhosíssima discussão sobre se "o caminho mais curto e econômico entre dois pontos é o porto de Santos" -- debate em que se perderam dúzias de gabinetes imperiais e duas ou três repúblicas.
Portanto, depois da tradicional repetição de datas e números(*), volta a cair no verdadeiro interesse que rege a matéria: "uma oferta para o Porto de Santos, de 7,5 milhões de toneladas de soja, farelo de soja, algodão, milho e outras commodities do agronegócio".
«O volume de soja embarcado em Santos chega ao cais pelos trilhos da Ferrovia Senador Vicente Vuolo, da América Latina Logística (ALL), que opera terminais graneleiros em Alto Taquari (desde 2001) e Alto Araguaia (desde 2002).
«Depois de longa paralisação da obra da ferrovia - cuja concessão prevê a ligação de São Paulo com Cuiabá, Porto Velho (RO) e Santarém (PA) - a construção foi retomada para ser executada até o final do próximo ano, no trecho de 250 km de Alto Araguaia a Rondonópolis.
«O projeto do trecho em obra da ferrovia da ALL prevê que na safra 2012/13 o trem apitará em Rondonópolis, o que em termos de carga significará uma oferta para o Porto de Santos, de 7,5 milhões de toneladas de soja, farelo de soja, algodão, milho e outras commodities do agronegócio. Ou seja, nos próximos dois anos a movimentação de cargas alcançará marca superior ao dobro da atual.
Há uma preocupação ambiental, capaz de enternecer até o coração de pedra do mais insensível dos faraós:
«A ferrovia já escoa commodities para exportação há 10 safras pelo terminal de Alto Taquari e há nove pelo seu similar em Alto Araguaia. Nesse período o transporte feito sobre trilhos aliviou a pressão ambiental causada pelo vaivém das carretas e bitrens, reduziu a movimentação de veículos pesados entre o sul de Mato Grosso e Santos, o que obviamente se traduz em menor número de acidentes rodoviários no citado trecho interestadual.Essa Ferrovia Vicente Vuolo dá de dez a zero em Madre Teresa de Calcutá -- é uma obra da mais santa caridade, salvando vidas a rodo.
Dos benefícios ambientais, então, nem duvidar. Onde chegam seus trilhos, os agrotóxicos fogem espavoridos. O desamatamento entra no jatinho e vai pedir asilo bem longe, lá na Monsanto. Renasce a biodiversidade. Recompõem-se os biomas. Florescem as margens dos rios e córregos.
Por especial deferência, nem fala de Ibama. Ainda bem. Falar o que. Ibama só serve para atrapalhar uma obra tão benéfica.
Os parágrafos finais são luminosos. Não falam da vida que levam os camioneiros, ou por que muitos fazem frete por qualquer trocado, nem por que têm essa mania esquisita de dormir sobre o volante. Para que conspurcar tão belo discurso, com questiúnculas de somenos?
«Não se pode negar os aspectos favoráveis da ferrovia nem sua importância para a logística de transporte em Mato Grosso, estado que antes dela se ancorava exclusivamente na matriz rodoviária para efeito de ligação com São Paulo e os demais estados do Sudeste. Porém, o embarque de soja nos comboios da ALL não altera o preço do frete do produto, o que mantém o produtor rural recebendo por essa leguminosa cotação que não leva em conta o componente “frete”.
«Ferrovia tem que ser atividade com mão dupla, de modo a assegurar lucro aos seus controladores, ao meio ambiente e ao produtor rural que responde pelo carregamento de seus comboios com as commodities cultivadas em Mato Grosso.
«A construção do terminal de embarque de grãos da ALL em Itiquira – entre Alto Araguaia e Rondonópolis - está de vento em popa. Autoridades e trades comemoram antecipadamente esse avanço da logística de transporte. Porém, Mato Grosso não pode se deixar levar por conquista parcial e tem que exigir a redução do frete ferroviário para que os benefícios diretos da ferrovia cheguem aos produtores rurais.
«A bancada federal mato-grossense tem o dever de botar o frete ferroviário da ALL na pauta de seus debates. O mesmo procedimento tem que se estender aos deputados estaduais, ao Governo de Mato Grosso e ao conjunto das entidades representativas do setor primário.»
Quinta feira, 10 de fevereiro de 2011 | Edição nº 12933 10/02/2011
http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=388107
A idéia geral é das mais interessantes -- levantar uma grita geral, para controlar os preços cobrados pela ferrovia ALL.
Mas por que controlar só os preços da ferrovia ALL? Por que não uma grita geral para controlar, também, os preços dos medicamentos, do feijão, do açúcar, do óleo de soja, da ração animal, da carne de boi? Por que não controlar os preços dos pneus, para que o camioneiro não ande por aí com os ditos desprovidos de cabelo, causando acidentes? Por que não controlar a margem de lucro dos atravessadores?
Melhor -- por que não levantar uma grita geral para controlar os preços dos pedágios?
São muitas as questões, interessantíssimas, que você nunca vai ver numa matéria PiG tipo "oinc oinc é uma vergonha os trilhos da Ferrovia Vicente Vuolo ainda não terem chegado a Cuiabá". Tudo bem. Não é para falar delas que se escrevem tais matérias.
(*) - Em tempo: essa repetição de datas e números é muito mais do que mera mania de faraó (tipo, eu sou X, filho de Y, filho de W, filho de Z etc.). É um sinal de alerta. Ali ficam marcados e demarcados os "direitos" (nada de deveres) de que seus detentores (atuais ou futuros, pois "expectativa de lucro" é contrato perfeito, direito adquirido etc., portanto valor a ser defendido até por futuros compradores ainda nem nascidos) jamais irão abrir mão. Essa turma morde o osso e não solta nunca mais. A "Ferrovia Vicente Vuolo" (por meio de todos os detentores atuais ou passados) se arrasta a passo de cágado? Não importa. Um dia -- haja o que houver -- irão cobrar os direitos de cada milímetro jamais construído, numa extensão de milhares e milhares de quilômetros. O negócio deles nunca foi investir, muito menos construir. É tomar posse do osso, para nunca mais largar. Brigar contra quem quer que tente "invadir" sua "zona privilegiada". Nunca cumprira nada de seu contrato? A culpa é "do governo", claro -- você, eu, todos nós, que em última instância somos prejudicados pela falta de cumprimento, e ainda arcamos com os impostos que, se depender deles, ainda lhes serão transferidos na forma de "indenização" e/ou "compensações". Veja o tamanho da conta que ainda tentarão cobrar de todos nós -- pelos milhares de quilômetros que jamais construíram, nem jamais pretenderam construir, em todas essas décadas: "concessão prevê a ligação de São Paulo com Cuiabá, Porto Velho (RO) e Santarém (PA)". Faça as contas. A depender deles, a conta não vai ser moleza para nenhum de nós, contribuintes.
O golpe é mais velho do que os trilhos, entre nós. Seu patrono fundador foi o médico homeopata Thomas Cochrane -- que fez a gentileza de jamais construir a EF D. Pedro II. Mas cobrou. Ah, isso, cobrou. Caro!
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