Existe uma outra PiG -- ou, outros "momentos PiG", em que ela entra numa cabine telefônica (de vidro, em Metrópolis), despe a personalidade barraqueira de zona eleitoral e limpa o salão, para se apresentar na Glória.
Diz o título da matéria: "Expansão da Vale no Norte terá US$ 3 bi em porto e ferrovia", e é tudo muito bonito. O "Norte" vai bombar (ainda mais)!
« O Norte do Brasil vai garantir a maior parte do crescimento da Vale na produção de minério de ferro nos próximos cinco anos. Para escoar a produção, a empresa vai enfrentar grandes desafios logísticos e terá de investir pesado na ampliação da infraestrutura existente, incluindo mina, ferrovia e porto. O aumento da capacidade de movimentação do minério de ferro, das 115 milhões de toneladas previstas em 2011 para 150 milhões de toneladas no ano que vem, vai exigir investimentos de US$ 3 bilhões, mas o desembolso total, na ampliação da logística do sistema norte, poderá chegar a US$ 7 bilhões a longo prazo. No fim de 2014 a previsão é de que o sistema norte da Vale movimente 230 milhões de toneladas. »Mas, quem é "o Norte", cara pálida?
Os números se sucedem, espetaculares. A linguagem, "técnica", "limpa", sóbria, elegante, não fica atrás. Transpira eficiência, racionalidade, objetividade. Parece até de mau gosto, em meio a tanta eficiência pós moderna, perguntar uma bobagem menor, como quem, com mil porquinhos, é "o Norte", que comparece como sujeito logo na primeira frase. Como vive? Come o que? Torce por qual time? O que faz aos domingos, ou em outras horas vagas, quando não estiver garantindo "a maior parte do crescimento da Vale na produção de minério de ferro nos próximos cinco anos"?
A Vale, sujeito da segunda frase, a gente vê logo quem é, e o que fará: "vai enfrentar grandes desafios logísticos e terá de investir pesado na ampliação da infraestrutura existente, incluindo mina, ferrovia e porto". Uma guerreira, já se vê. Vai "enfrentar", investir pesado, grandes desafios e tudo mais a que tem direito. Uma super heroína! Deve suar muito, coitada. Cuidado para não pegar insolação.
Segue-se a descrição das maravilhas que a Vale irá montar, com abundância de termos técnicos -- acessíveis, deslumbrantes. Já ia subindo um arrepio, quando sacudi a cabeça, desviei os olhos da tela, passei o foco oftalmológico de 80 cm para 80 metros (uma bela palmeira, no beco vizinho). Estaria mergulhando num estado hipnótico?
Uma volta, portão, rua, nuvens, pessoas, e volto a ler. Resumo: uma correia transportadora (não muito diferente, em essência, da cadeia produtiva do aluminio). Super, hiper, mega correia transportadora. Tremei, australianos! -- se é que competição faz sentido (nenhum sinal de demanda fraca, a exigir disputa). Ou, se é que os australianos (tanto quanto os nortistas) têm alguma parte nisso tudo. Em Minas, até hoje se discute o antigo e tradicional "Ia ser bom. Não foi?!". [Foi, sim! Claro que foi. Foi dimásss! O minério foi. Foi-se. Cuidado para não cair no buraco].
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Volto, leio, releio, e não encontro uma única palavra sobre os nortistas. Ou meio-nortistas, segundo mapas da década de 50.
Tudo bem, talvez estejam em outra matéria (tipo, "ver matéria ao lado"), que ainda não localizei.
Tampouco encontro a menor referência à região, ao país, ao Estado nacional, a uma política pública, a uma palha movida pelo governo, ou sequer um café pequeno fiado pelo BNDES com garantia do Tesouro (o seu, o meu, o nosso suor). Existem a empresa, o minério, a ferrovia, o porto, "executivos", "horizontes" (de demanda) -- mas o contexto não ultrapassa os limites deste acanhado cercadinho.
E no entanto -- que fina ironia! -- isso é a cara das antigas matérias pagas, da época do "Brasil grande", quando jornalões, grandes agências de publicidade e representantes da indústria gráfica batiam ponto diariamente na Esplanada (em Brasília) e similares (no Rio), negociando o big boom da indústria editorial dos anos 70 (coisa de deixar no chinelo as vinhetas importadas da belle époque; mas isso já é uma outra estória).
Os negócios prosseguem -- agora, sem a antiga verba publicitária do governo concentrada em meia dúzia de agências e jornalões -- e, por consequência, sua atuação foi retirada da foto, no melhor estilo Joe Mercado Stalin. Presidenta bonita não paga, mas também não leva. No retrato, agora, os personagens são apenas empresas privadas, seus executivos, o "mercado", eventualmente um "horizonte" (de demanda), alguns "ventos" (trends), e outros fenômenos "naturais" (da natureza do mercado, entenda-se; nada de ambiente nem ½ ambiente, please!).
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